Alguns dos meus eus.

Uma atriz, uma jornalista, uma escritora, uma esposa, uma amiga,uma mulher, uma menina, um alguém.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

AMIGO: PARA SE GUARDAR? OU VIVER?


Ontem foi dia do amigo. Uma data relativamente nova, mas extremamente especial que te sacode e diz: e aí? Cadê seus amigos? Tem visto? Falado? Conversado? Tem estado presente na vida deles? E eles? Tem estado na sua?
Chato este dia do amigo. Lembra a chatice da vida em nos afastar de quem amamos.
Claudia (Luz), a primeira amiga a ser citada aqui, disse que eu talvez tivesse me afastado por causa de tantas mudanças de cidade. Quem não fixa o pé, não fixa amigos. Será? Tenho minhas dúvidas.
Mas faço também minha mea culpa. Tive muita gente presente, disposta a estar sempre por perto, mas de quem fui paulatinamente me afastando. E hoje sofro com isso. A vida vai empurrando a gente... EMPURRANDO mesmo. E empurra de tal maneira que, se não tivermos força, coragem (e fé), e não tomarmos as rédeas,  ela vai levando... levando... fazendo da gente o que bem quer. E que fique claro que a vontade da vida nem sempre é a vontade de Deus. É simplesmente a vontade do acaso, que nos dificulta toda firmeza que devemos ter diante das nossas próprias vidas. Falta segurar o controle remoto da vida. Sintonizarmos onde queremos. Onde precisamos. Onde achamos melhor. E o pior: às vezes, até pensamos ter o controle remoto em mão. Mas perdemos as pilhas. E, com elas, perdemos o timing da vida.
Camila: se é possível existir a melhor, melhor de todas na vida, é ela. Minha melhor amiga. Amo do tamanho que não dá para medir.
Fernada (Braga), Ju (Brito), Julia (Lima), Luciana (Barreto)... perdoem a ausência. Glaucia (Farias), Manuela (Matos), Gabriela (Figueiredo), Maria Fernanda (Rebouças), Fabíola (Leal)...perdoem eu ter perdido as pilhas deste controle remoto, e por vezes tê-las deixado fracas. Juro que estou procurando. Mas não anda fácil encontrar. Tem horas que entramos na lógica da tal vida, e fica difícil retomarmos a nossa lógica interna (em todos os sentidos): o que somos, o que queremos, quem queremos por perto. Patrícia (Freire), como eu te queria por perto. Por perto mesmo. Ao lado. Nunca de lado. Hoje é seu aniversário. Gostaria muito de poder te ligar e, além dos parabéns, perguntar como ficou aquela situação da semana passada... Resolveu? Mas a semana passada teria de que ser a de uns anos passados... de tanto tempo que não nos falamos. Ligar hoje somente para dar os parabéns, me constrange... Cadê nossa amizade frequente, nosso amor das cartas da infância, dos diários trocados? Mas vou ligar. Dane-se o constrangimento. Assumo que sou destrambelhada e - merda! - onde caramba coloquei as benditas pilhas do controle remoto?
Saco ficar sem elas. Saco a correria. Saco o relógio. Saco o tempo que passa.
Livia (Carvalho), Juliana (Villarino), Rosana (Frempong), Adriana (Faro)... oh, amigas... às vezes eu acho que vocês perderam as pilhas tanto quanto eu! Nunca mais nos vimos! Nunca mais conversamos! Nunca mais soubemos uma da outra... Triste.
Maruzia (esta nem precisa de sobrenome...rs É única!) tem estado comigo. Nos reencontramos. A pilha deu um tilte repentino e, não perdemos tempo, fizemos o controle funcionar novamente para o amor. Sintonizamos o canal da amizade e nos reencontramos... Mas a pilha tá ficando fraca... E cadê nossa atitude em trocar?
Oh, vidinha mandona! Ela insiste em querer nos levar para onde quer. Às vezes acho que ela não quer coisa alguma. Só quer nos atrapalhar. O acaso. Merda de acaso. Acaso que não sabe dos casos de amor...
Pati (Linhares), Ju (Linhares). Estas não fogem. A vida nos colocou no mesmo prédio. A gente já se mandou de lá porque, sim, a tal vida mandou - peste mandona! Mas as mães continuam... E mães sempre parecem ter mais domínio da vida que a gente. Elas trocam as notícias das filhas. E o Facebook - que pode ser, sim, um grande amigo do nosso controle remoto - nos deixa ciente uma das outras. A nossa amizade é destas de que não dá para duvidar. E Juli me ensinou, sentenciou: "é amizade feita no playground, Elen... É diferente. É para sempre! Pois foi feita quando o único interesse era jogar baleado juntas ou fazer piquenique no meio das formigas. Amizade construída com pureza." Bingo! Nesta, dona Vida, a senhora não manda! Xeupo!
Louise (Calegari), minha gravidinha por quem torço tanto. Amizade de prédio também. Não adianta. Pode passar o que for. Se a gente precisar uma da outra, vamos, sim, estar lá. Não é, Fernanda e Roberta (Martin), ainda que estejam no Alasca (piada interna), estaremos juntas! E viva o Condomínio Quinta do Mar, só para rimar!
Ju (Tosta), não esqueci de você. 
Naira (Lantier). De você também não esqueço.
Nancy, como esquecer minha amiga presente por anos em tantas questões, sempre com tanto afeto e compreensão... E, claro, como esquecer quem me apresentou o meu maior amigo, o meu amor.
Débora (Salomão) e Ludmila (Viana Nunes). Lembranças da formação dos nossos primeiros traços de caráter, acredito. A importância dos primeiros convívios sociais. Vocês ajudaram a formar o que sou.
Luiza (Cardoso), te amo para sempre. Amo seus filhos também, embora a droga do tempo, nunca tenha me deixado conviver com eles.
Babi(Neves), Duda (Gomes), Bubba (de Campos), Lucianna (Fernandes)... o que dizer de amigos que nascem na construção de um sonho de vida? De profissão? De ser?
E Clarissa (Vargas), que tanto tentou, a duras e fortíssimas penas, me trazer o sonho de volta... Me ajudar a reconstruí-lo. Desculpe, amiga. Teve que ser no meu tempo. Mas agora, podemos ornamentar esta construção que já é sólida - nas duas. Que tal? Aceita o convite? Vemo-nos no palco?
E ainda tem aqueles amigos que a gente reconhece de cara. Mas que a mandona da vida lá nos impede a uma entrega maior. São inúmeros. Inúmeros. O coração da gente é  muito grande para o tamanho do nosso relógio.
Há também os amigos que na hora certa se mostram, e dizem: tô aqui, com você. Bràz (Divinnuh), Claudinho (Simões), Marcelo (o das Flores tão suaves e ao mesmo tempo tão fortes na vida). 
Há os amigos que nos salvam: Bibiana, Alcina.
E tem aqueles para quem a pilha não consegue descarregar: Fernanda (Miranda)- de uma forma ou de outra, estou sempre aqui (e aí). 
Tem gente também que some! E que não adianta culpar o relógio. Somem porque não são. Nunca foram. Nunca serão.
Tem os amigos da minha nova terra, Rondônia. O problema - como bem disse a Luz de Claudia - é que a gente sai, e pensa que tudo vai ficar igual, mas não é bem possível ser assim. Daiana (Bagattoli), Juliane (Barroso), Fabiane (Nazareth)... vamos pegar este danado de controle remoto e sintonizar no canal do amor, independente do estado da Federação? Héin, paranaense Carol (Brandão), cearense Angélica (Sobreira), paranaenses Charlene (Gora)e Marco (Dallegrave)? Tá feito o convite.
Minha linda Paula (Barouchel). Eu sei que você, sim, sempre topa o convite. 
E, claro, Nardele, a que me apresentou uma das melhores amizades do mundo. A única para quem as pilhas sempre reapareceram. Mas tenho quase certeza de que a TV dela andava desligada. Amizade bela, mas adormecida. Amizade tão forte, tão intensa, tão ocupante de todos os espaços que talvez tenha consumido toda a pilha do controle remoto, me impedindo de sintonizar (e até descobrir) as outras lindas amizades. A forte amizade cansou de ser forte e, não mais que de repente, deu um suspirinho de "peraê, deixa eu viver minha vida sozinha um pouco".  Deixa eu descobri quem sou. Deixa eu ser eu.

E hoje sou eu. Um eu pleno de  muitas coisas! E, sim, muitas pessoas. Mas um eu meio vazio. Depois do dia do amigo, vi que me distanciei, me perdi do que há de mais puro e verdadeiro: a amizade.
Perdoem, amigas e amigos. Também perdoo a quem é de perdão. Estou procurando a pilha do controle remoto da vida. E da amizade. Juro que estou.
E lembro a vocês: se o relógio da vida é pequeno, o meu coração é enorme.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Pedaço de mim


AVÓS.
Vós.
Vós que sois eu.
O que se faz quando se perde duas avós? Duas?
Eu sei que elas já queriam ir, que precisavam ir. Viver cansa. Dava para sentir nos olhos delas, no jeito, na falta de vontade.

Vó Gina

Sempre tão cheia de vida, engraçada, bem humorada, conselheira, forte, emotiva, poetisa, carinhosa, acalentadora, dona da receita do doce de banana mais incrível do mundo - aos poucos, foi sumindo. Os traços da personalidade foram ficando turvos, apagados, como numa foto antiga. Gradativamente, tudo que se é, foi sendo encoberto pelo tempo, pelas dores, pelos dissabores de uma vida. Morre o companheiro de toda uma vida; morrem os irmãos; morrem os amigos. Deixa-se de viver em sua própria casa. Para-se de costurar, de bordar. Logo ela que sempre disse que a vida era um pano liso, em branco, que precisava ser bordado, enfeitado por nós mesmo. Parou de bordar. Os panos e a própria vida.
Parou de fumar. E sonhou com uma tragadinha antes de morrer. Não realizou.
Parou de beber.
Mas o maior golpe, acredito, veio quando parou de falar.
Artista nata, fez da vida seu espetáculo. Mas sem casa, sem bordar, sem beber, sem fumar, sem falar... seu personagem perdeu a verossimilhança.
A boca sempre aberta – causada por uma das enfermidades que a acometeu – era o símbolo do espanto com o viver. Para que viver? Para quê?
Vó Gina e Vó Lola

Acho que uma se reconhecia na outra.  Sem falar, sem trocar uma palavra sequer, imagino que deveriam se olhar e pensar: “Dona Gina, o que estamos fazendo aqui?” “Lola, a vida não era isso, né?”
A vida não é isso.

Vó Lola

Hoje faltam apenas quatro dias para que ela complete 104 anos de existência. Nasceu em 1910. “Viu” as duas guerras, a grande depressão, o rádio nascer, a imagem da TV aparecer, o milagre de conservar um alimento na geladeira. O telefone tocar!
Viu treze filhos nascerem.
É a matriarca dos Vila Nova. Forte, austera, coleciona histórias de uma criação dura, mas amorosa. Surras, vestidos de festa rasgados, carreiras não estimuladas. Pulso firme.  Mulher inteira que precisou ser mãe, pai, força e amor. Tudo ao mesmo tempo.
Trocou o catolicismo pela bíblia quando viu um homem bêbado confeccionar uma obra a ser adorada: a estátua de um santo.
Se orgulhava de contar com tracinhos marcados na primeira página da bíblia quantos vezes lera o livro sagrado.
O amor era expressado pelo “Deus te abençoe”, “Deus te leve”, e também, pelo temido “Deus te dê juízo”. Sinal que desaprovava atitudes de quem recebia esta benção.
Dizia que sua casa era a gasolina. Para onde o combustível a levava, ela ia.  Alagoinhas, Salvador, Rio de Janeiro.
No Rio de Janeiro, tinha, de fato, uma casa. Lá tem até hoje sua cama, seu guarda roupa, e sua televisão crente, que não via novela – segundo uma brincadeira.
Mas foi na casa de Jelza que encontrou um lar para chamar de seu. Com alegria, aconchego e liberdade.  Que me perdoem os outros, mas foi lá que encontrou o genro predileto: Guimarães.  Guimarães não a chamava de “dona”, não tinha cerimônia.  Guimarães dizia que um dia ainda ia casar com ela. Guimarães ameaçava comer a coxa da perna gordinha dela se um dia faltasse comida em casa, alimentando a história temida por ela do cearense canibal. Ela respondia: “Chato!”, e solenemente mandava ele “à merda!”
Mas depois da encenação da cara amarrada, saia rindo, rindo muito. “Esse Guimarães não tem um pingo de juízo!”
E é na casa da caçulinha que ela está se despedindo desta vida. Sem dor, cheia de amor. No care da home.
Está serena, está tranquila. Afinal, esperou sempre com paciência a vontade de Deus. Sempre.
Mas um dia deixou escapar: “Pra quê viver assim? Não tem mais nada o que fazer... A gente devia um dia olhar no espelho e dizer `tô velho´e, pronto: morrer.”
Ela cansou.

Pedaço de mim


Com vó Gina foi um pedaço meu.
Com vó Lola vai um outro pedaço.
Não vai ser fácil viver sem vó.
Deixo de ser neta.
Mundico, Ginoca e, daqui a pouco – depois dos muitos 104 anos - minha Baleia Gorda.
Como vou ficar sem eles?
Fica a filha, a irmã, a esposa, a futura mãe. O ciclo da vida.
Mas se é mesmo um ciclo, espero a roda girar. Girando, girando chego, um dia, do outro lado. O da vida eterna.
E voltarei a ser neta.

A festa tá ficando grande no céu. 

domingo, 12 de janeiro de 2014

A luz de dona Adelina

#reportandoabsorvendo

(escrito após matéria no povoado do Alto da Cajazeira, no município de Planalto, a 28KM de Vitória da Conquista, em 09 de janeiro de 2014)

Encostada num radinho de pilha, dona Adelina ouve a novela. E ri com as piadas de Félix, se emociona com o sofrimento de Bruno e Paloma, se irrita com a perversidade de Aline. Ela desenvolveu uma grande habilidade para entender as tramas assim, de ouvido. Ela não é cega. Mas é que na casa dela não tem energia elétrica. Sem televisão, tentou dar um jeito para se distrair durante as noites. Alguém conseguiu sintonizar o canal da TV no radinho. E, ali, quietinha, no silêncio da zona rural, ela escuta o que todo o Brasil consegue ver. Iluminada pela chama de uma vela.
A TV faz falta. Mas, claro, ela também gostaria de ter uma geladeira para não precisar mais conservar a carne em sal – que tanto prejudica seu problema de pressão -; um liquidificador para bater as frutas que planta ali atrás da casa, e tomar aquele suco! Os olhos dela brilham quando fala no tal suco.
E só. Não sonha com muito.
Ah! Também seria bom tomar um banho quente nas noites gélidas na roça, e, claro, acender a luz da sala para papear com os filhos e netos.  Aliás, são muitos os filhos e netos. Eu contei, por exemplo, uns dez netinhos ao lado dela enquanto conversávamos. Todos miudinhos. Fileirinha. Um de quatro, um de cinco, outro de sete, uma de oito, e assim vai... De ano em ano, o povo daqui faz gente. É... Dizem que quando não se tem TV...
Mas, se dona Adelina viveu a vida inteira sem energia elétrica, em que momento surgiu a vontade de acender a luz?
Sabe os netos? Eles vão para escola, ali mesmo na zona rural. E lá, muitos dos coleguinhas já convivem com a modernidade da luz acesa inventada por Thomas Edison no século XIX. Os amiguinhos assistem televisão, e com uma dose de orgulho , comentam os desenhos que passam, mostram o último sucesso do Psirico no celular...e dançam o LepoLepo. Hã, hã, hã... A criançada também quer, ora!
Quando percorre os vinte e oito quilômetros, que separam o povoado do Alto da Cajazeira (no município de Planalto) de Vitória da Conquista, dona Adelina chega à terceira maior cidade da Bahia.  Chega à cidade eletrificada. Na casa da filha, que mora em Vitória da Conquista, vê a novela. E se deslumbra ao descobrir as caras de quem conhecia somente pela voz. E gosta. Agora, também quer ouvir com rostos, expressões, com toda buniteza daquela gente lá da Globo.
E a água geladinha que toma por cá em Conquista? E o suco?? Ah... o suco!!!
A gente é assim. Quer o que todo mundo tem. Mas será que, no fundo, queremos mesmo? Ou a gente só pensa que quer? A gente quer fazer parte, se sentir parte, não ser excluído. Mesmo que a exclusão - pensada com calma, sem afobações – seja boa.
Já quem tem tudo o que todo mundo já tem, quer o diferente. Quer se destacar. Quer uma certa excentricidade que lhe confira algo de especial. Vivendo a realidade eletrocutada de uma grande cidade, quem por aqui está, caça, em meio a turbulência, o que eles lá no povoado já têm: paz.
Na casa de dona Adelina, reina o silêncio, interrompido levemente e de vez em quando, pelo bater das asas de uma galinha que foge do cachorro da família. Também tem o barulho das árvores que insistem em balançar com o vento. E, claro, o barulho das crianças que, aqui, ainda continuam arteiras. Elas gritam, correm, inventam brincadeiras. O barulho é delas. E não dos tiros e bombas dos videogames.
Na casa de dona Adelina o dia termina cedo. Quando o sol para e manda tudo parar. Aí, é hora de comer a comida feita no fogão de lenha. O palito risca no fósforo e toca o pavio da vela. Na penumbra, apenas alguns traços dos rostos são iluminados, exemplificando o que se vive. Aqui, não é tudo que se vê. Não é de tudo que se sabe. Do mundo, não se sabe quase nada. Aqui, apenas se vive.
Mas eles continuam querendo a luz. E nós, querendo esta paz.
P.S. Quando estava indo embora, dona Adelina sorriu e me disse: “- Agora, quando ouvir sua voz, já vou saber como é você!”

 
 

segunda-feira, 25 de março de 2013

MÉDICO HUMANO, PACIENTE HERÓI

Existem profissões pragmáticas, algumas quase robóticas. Tem que se fazer isto ou aquilo, faz-se e pronto. Mas muitas das profissões, e eu diria quase todas, tem um lado humano que deve estar em perfeita harmonia, casado, unido às habilidades características do ofício. A medicina é uma delas. Senão, aliás, a principal destas profissões.
Um diagnóstico ruim pode ser dado com a frieza de um bom profissional ou com a humanidade de um profissional melhor ainda.
Ninguém quer ficar doente. Ninguém espera ficar doente. Vivemos sonhando, acreditando, quase apostando em uma imortalidade. Trabalhamos, temos, realizamos, projetamos. Pelo menos aqui no mundo ociedental é assim. Vivemos para viver. E ponto. Ninguém vive acreditando que pode, que talvez quem sabe tudo isso aqui tenha um fim. Negamos isto o tempo inteiro. E tudo pode acabar assim, num piscar de olhos.
Hoje se está bem. Amanhã, atravessa-se uma rua e pum! Fim. Agora se brinca com o filho. Daqui a uns minutos, puf, um infarto acontece. É a vida... É a morte. Duas faces da mesmíssima moeda. 
Um diagnóstico inesperado é muitas vezes a lembrança, a mensagem da mortalidade. O mensageiro? Aquele profissional supracitado: ele mesmo, o médico.
Tal mensagem pode chegar de mil maneiras, mil formas, e todas com a mesma verdade.  E é aí que vem a beleza, a delicadeza que pode, e deve, estar contida nesta profissão. A tal humanidade. A forma como se recebe um diagnóstico é fundamental inclusive para que se tenha um prognóstico mais positivo.  Para isto, basta colocar-se no lugar do outro, imaginar o que o outro está sentindo, fazer como gostaria que fizesse com você. Simples assim. 
Posso dizer que não amo mais alguém quando não atendo seus telefonemas, quando ignora seus gestos de carinho, quando sou grosseira, quando sou indiferente a suas atitudes. Posso, da mesma forma, desvendar a ausência deste amor quando marco um encontro, chego no horário combinado, levo uma lembrança, converso, digo quanto este alguém é importante, mas que algo mudou, e que, ainda assim, o carinho permanecerá. O fato é o mesmo. A verdade é a mesma. A dignidade é diferente.
Um diagnóstico ruim dado a alguém até então cheio de vida, cheio de planos deve conter em si um quê, um ar, um recheio de dignidade (sim! esta é a palavra). Só assim o paciente acreditará que poderá continuar daquele jeito: cheio de vida e, sim, cheio de planos, porque há, sim ("Foi o médico que disse!" - E isto tem um peso inigualável para o paciente), muita esperança.
Nenhum médico tem o direito de tirar a esperança de alguém: seja com palavras, com atitudes ou, até mesmo, com a forma de olhar. Ninguém tem.
A esperança é do paciente. Mas para ser dele, precisa que lhe seja dada. Esperança é subjetiva e pode  também ser dada subjetivamente: com outras palavras, outras atitudes, outras formas de olhar que não as que neguem o otimismo e a coragem de lutar.
Esperança não é sobreviver. É viver. E viver VI VEN DO. A CRE DI TAN DO. Até o fim. Que todos teremos. O médico não é Deus, mas pode dar esta fé ao paciente. Basta lembrar que é também humano. Tanto quanto seus pacientes. E lembrar, especialmente que cada paciente é uma pessoa, e não um diagnóstico.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Gostando...


Achei que a foto combinava com o ato de gostar. Gosto de flores, gosto deste dia, gosto do que ele representa para mim.
 
"Eu gosto é de gostar"! Não sei de quem é frase. Mas gostei. Gostei porque nos mostra a ponte, o caminho, a busca e não o resultado. Gostar de gostar é apreciar o ato de querer bem, independentemente do que se queira, do que se deseja, o do que se tem.
Amo muitas pessoas, mas amo ainda mais o amor que sinto, que fica comigo, dentro de mim.
Gostar de gostar é ficar feliz. Gostando. Apenas.
Simples assim.
Basta sentir.

 

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

CHAMARAM DONA CANÔ

Dona Canô através do desenho habilidoso de Alex Oliveira
Hoje, Deus chamou Dona Canô. Obediente, ela cedeu: eu vou.
Mas por 105 anos e alguns meses, era ela quem chamava. E todo mundo ia. E entrava. Porque as portas da sua casa no municípoo de Santo Amaro, no Recôncavo baianao, viviam abertas para quem quisesse chegar. Não tinha cerimônia com ninguém. Tudo regado a muito tempero baiano: feijoada, maniçoba, moqueca.
Ela não entendia o assédio de tanta gente.  Costumava dizer que era "apenas uma dona de casa", deixando em segundo plano o fato de ter "o ventre mais abençoado do recôncavo" - numa referência clara aos artistas que pariu: Caetano Veloso, Maria Bethania, Mabel Veloso.
Mas quantas mães de artistas há no mundo? Alguém já ouviu falar tanto de alguma como ouvimos falar, como vimos, como sentimos Dona Canô?
Seria absurdo tentar pensar em como ela conseguiu tudo isso, porque não se consegue o que não se busca. E ela nunca buscou esta notoriedade. Simplesmente veio. O sucesso dos filhos colocou uma luzinha nesta mulher. Mas como toda estrela, cheia de brilho próprio, ela pôde dispensar as luzes alheias. E brilhou sozinha. Ela, sim, cedeu sua luz aos filhos. Vai saber se sem esta mãe teríamos a sensibilidade de Caetano? Será que teríamos a força e autoestima pulsante de Maria Bethânia no palco? Somos todos consequência da vida que levamos, do meio em que vivemos, do contexto histórico, social, econômico, enfim. Mas somos o que somos, principalmente, pelo modo como fomos criados pelos nossos pais. É deles a base que desenvolvemos moral, ou artisticamente.
Talvez por respeitarmos tanto o talento inegável dos filhos, tenhamos olhado, instintivamente para a mãe. E sendo a mãe quem era, nosso olhar parou por ali, e ficou com Dona Canô.
Sua vida era notícia. Sua personalidade ganhou visibilidade. As amizades como a do político Antônio Carlos Magalhães eram sondadas.  Sua longevidade, claro, abrilhantou ainda mais a notoriedade da senhorinha meiga e sorridente de Santo Amaro da Purificação. Não à toa, sua morte é destaque em todos os grandes jornais do país, é sentida por autoridades e,  com certeza, sentida ainda mais fortemente,  pela população da cidadezinha do recôncavo baiano.
Além de ser símbolo do município, cativante, amável com todos, conselheira de muitos, Dona Canô era extramamente católica, e genorosa com sua religião e com seu povo. Quem se lembra da campanha do Banco do Brasil que tentava particularizar a imagem da instituição como um banco seu, de cada brasileiro? Diversos artistas apareceram com seus nomes diretamente associados ao banco. O "Banco da Dona Canô" também esteve no rol da campanha, com a matriarca dos Veloso posando de modelo em campanha para revistas, rádio e televisão. Chique que só ela. Linda. Mas, mais uma vez, não era a fama que buscava. A causa era nobre: usou o cachê para reformar a igreja que frequentava. A cidade agradeceu.
 "Sou só uma dona de casa!". É verdade, Dona Canô. A senhora é dona de uma casa chamada coração. E de muita, mas muita gente.

*Estive com Dona Canô para uma longa entrevista por duas vezes. Mas este é um outro assunto...

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Remoçando

O que vem por aí?

Acabei de ouvir Gilberto Gil - um de meus ídolos mais adoráveis - cantando "Eu vim da Bahia (...) mas um dia, eu volto pra lá" e, imediatamente, parei o que estava fazendo e sentei para escrever. Foi quando, coincidentemente, percebi que não me expresso aqui no meu Café desde das minhas últimas férias, em agosto, ou seja, desde que estive lá, na minha Bahia. Acho que meus textos ficaram por lá. Acompanhando minha alma. A boa notícia é que estou voltando para buscá-la. Melhor seria dizer que estou voltando para ficar com ela.
Soube há alguns pouquíssimos dias que saiu a remoção de meu marido (transferência, numa linguagem menos lei 8112, que rege os servidores públicos federais). Vamos voltar.
Com a notícia, remocei. E sei que remoçarei mais ainda quando meus pés pisarem a minha terra e meu abraço sentir os meus melhores abraços.
Vivo há mais de três anos aqui. Não foram anos difíceis.  Fiz muitas coisas bacanas. Voltei ao teatro. E por si só, este fato fala mais do que qualquer coisa que eu venha a dizer aqui. Quem me conhece, sabe do que falo, do que sinto. Rondônia foi maravilhoso em muitos, mas muitos aspectos mesmo. E sou grata a cada um deles. Seria injusto dizer que estar aqui não foi bom para mim. Mas também não posso dizer que foi fácil. Não. Fácil não foi. Não é.
A distância é, sem dúvida, o mais sofrido. Longe, longe, longe. Distante do abraço da mãe e do pai. Das avós. Da irmã. Afastado um tanto enorme do papo com os grandes amigos - aqueles de infância, ou de uma época da vida em que a gente só se aproxima do outro pelo desejo, pelo querer bem. E pronto.
Como diria Camila, uma amiga de luta, aqui, ficamos muito longe de uma emergência. E não só da emergência mais óbvia de saúde. Mas da emergência do desejo de estar junto, da emergência da vontade de estar perto, da emergência do carinho.
Aqui, fico também a muitos quilômetros da praia, da música, do axé, do "oxente", e da gente que é da gente. Dos costumes de lá que também são meus, do acarajé, do jeito de falar, do caranguejo, da intimidade, do grandessíssimo afeto.
Mas assim, longe de tudo, sem referências, e muitas vezes só, eu tive a oportunidade de me enxergar e de me descobrir. E de descobrir novos eus.
Eu vim de lá, eu vim de lá me sentindo pequenininha, mas tive sorte porque ninguém me avisou para pisar neste novo chão devagarinho. E há uma grande verdade: quando a gente não sabe que não pode, a gente faz! Quando não nos dizem que não somos capazes, a gente descobre que é.
E, então, pisei no novo chão de Rondônia em minha vida com tudo. Com força, e com pressa. O ritmo lento e gostoso da vida daqui me fez várias vezes acreditar que tinha feito muito pouco. Mas quando conto nos dedos, quando listo na memória, vi que fiz. E aconteci.(1) Fui repórter de um programa local na TV, (2) depois apresentei o programa ( e aqui, um capítulo à parte: tive uma das experiências mais gostosas e gratificantes misturando notícia e entretenimento. Me achava! E, me achando, eu me encontrei: entendi o que gostava de fazer. E o teatro voltou a fazer cócegas em mim). Depois (3), fui demitida, o que é um fato que merece destaque: fui demitida porque não entrei num jogo governamental meio sujinho. E disso me orgulho. Então, está na lista, sim: fui demitida. Iupiii!!!  (4) Idealizei, criei, produzi e realizei o ELAS POR ELEN - programa radiofônico semanal voltado para qualidade de vida das mulheres na região. (5) Com ele, me sustentei, e bem. (6) Assessorei o primeiro cirurgião plástico de Vilhena e, com ele, contribuí para a profissionalização do modo de se fazer assessoria na região. (7) Comecei a assinar uma coluna mensal em uma revista local (a Imagem)- um prazer à parte. (8) Dei aulas de teatro durante um ano para adolescentes da rede pública de ensino. (9) E, com eles, inauguramos o primeiro espaço cênico da cidade. (10) E a plateia lotou o espaço. Por duas vezes.
E só pude me dar conta de tudo isso através do olhar do outro. É que no último sábado, com muita honra, aceitei o convite para ser madrinha das formandas do Ballet da única escola especializada da cidade - a Academia de Ballet Etoille. O convite foi feito com o argumento de que eu sou uma pessoa que contribui para o desenvolvimento da cultura em Vilhena. Muita emoção. E um resuminho de toda esta história que contei acima passou pela minha cabeça.
Feliz. Ponto para Rondônia!
E não esqueçamos o lado pessoal: casei aqui, ganhei meu príncipe Lupito aqui (meu filhotinho), aprendi a dividir uma casa, um lar, a ter uma vida a dois por aqui.
Em Vilhena,  também ganhei hábitos maravilhosos, cresci intelectualmente, melhorei minha saúde grandemente... E, o melhor, conquistei amigos cujo afeto e cujos ensinamentos levo para vida.
Ainda demoro um pouco para ir embora. Mas já me sinto em clima de despedida, o que considero ótimo porque, assim, valorizo tudo que sei que vai ficar para trás. Quero curtir cada pedacinho de cada canto que deixará de estar comigo no dia a dia. Comer todas as comidas que amo na região. E até música sertaneja da pior qualidade comecei a ouvir todos os dias. Luan Santana, me aguarde! Quero viver meus últimos momentos de Rondônia intensamente. Guardando, sentindo, classificando, memorizando cada um deles.
Está acabando.
Como tudo um dia acaba.
Tá começando. Como tudo também tem um começo.
Tá continuando. Porque a vida não tem pausa. Só tem play.
E brincando de ser cada dia mais eu onde quer que eu esteja... vou-me, remoçando nesta remoção. Conquistando nesta Conquista.

P. S. E já que já estou aproveitando cada pedacinho de Vilhena, lá vou eu passear com Lupito pelo seu caminho preferido... Beijos do Norte.